... e antes de arder na fogueira, deixa o Judas em testamento:
À Dona Jaquina Ranço
Que sempre deu de beber
Por igual a cada tanso
Que lhe ficou a dever
Quero deixar à patroa
No testamento qu'eu fiz
Lembrança que muito boa
Para fazê-la feliz
Instrumento lhe vou deixar
Do melhor e do mais belo
Pra ela recuperar
Fazendo vinho a martelo
Prás suas ricas filhinhas
Quando forem diplomadas
Eu vou dar-lhes três prendinhas
Que as deixará animadas
Nesta país não cabem
No seu pobre galinheiro
Velhos e jovens que sabem
Têm que ir pró estrangeiro
Aqui eu deixo as passagens
Prá viagem de avião
Vão partir pra outras paragens
Quem sabe se voltarão
No alto de Santa Clara
Há um mosteiro lavado
Fez plástica na cara
Mas continua fechado
Vai voltar o tribunal
Pra tão grande monumento?
Julgo isso muito mal
Porque não tem cabimento
Deixo-lhe artes e ofícios
Para em centro se tornar
Valem bem os sacrifícios
Que a terra fica a lucrar
Quantas casas pequenas
Nas Caxinas se acabaram
Neste século nas Caxinas
Os tempos muito mudaram
Já nada é como dantes
Um arranha-céus ao lado
E o Senhor dos Navegantes
Acordou estrangulado
Aos caxineiros valentes
Em testamento que eu faça
Deixarei ferros potentes
Para acabar coa desgraça
Já no tempo dos mosquitos
A coisa assim se passava
Só ficavam os bonitos
O resto se escorraçava
Outros insectos chegaram
Para formarem o círculo
Mesmo canção entoaram
Para ganharem currículo
A prenda que eu vou deixar
A essa gente abençoada
É uma sala de estar
Para não fazerem nada
Aos artistas vou deixar
Antes de me ir embora
Um presente pra lembrar
Os de cá e os de fora
É antiga tradição
Sempre foi assim aqui
Quando o artista for bom
Toda a terra lhe sorri
Vou deixar-lhes duas brasas
Para aquecer no Inverno
O serão das suas casas
Que ir à rua é um inferno
Pobre Sócrates na prisão
Padeceu de coisas chatas
Para ajudar seu irmão
foram daqui as beatas
Levaram-lhe cantoria
Lindo hino de louvor
Para voltar a alegria
Àquele dúbio doutor
Aqui está cá quem bem promete
Tenho tudo preparado
Vou deixar-lhe a Internet
Para rever seu passado
Políticos do meu país
Gente sem nenhum talento
Afinai vosso nariz
Pra cheirar o sofrimento
Este povo que é tão bom
E já correu meio mundo
Está agora sem tostão
Como ele caiu tão fundo
Vós políticos sois culpados
Desta miséria da gente
Deixo-vos dois rebuçados
Que o povo fica contente
Lembro agora um senhor
“Génio da banalidade”
Todo cheio de rancor
Quando vê a qualidade
Ficou todo encavacado
Quando o Nobel o crismou
O país foi ultrajado
Nem a Maria gostou
Vou deixar-lhe uma cagarra
Que sei que ele vai gostar
Se ele quiser, ele agarra
Pró seu presépio enfeitar
Antes que me chegue a hora
Quero um voto meu deixar
Para a Nuvem Voadora
Que gosta de se queimar
Vejo-os aqui à minha beira
Cansados de trabalhar
Não os espera a fogueira
Para o ano vão voltar
Eu a eles vou deixar
P'ra não ficarem à míngua
A pedra de amolar
Para afiarem a língua.
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